domingo, 23 de junho de 2013

Andarilhos são muitas vezes confundidos com loucos. Mas quem não é louco? Pelo menos um pouco? Pelo menos uma vez na vida qualquer um de nós agiu como um louco.

Afinal quem fixou os padrões da normalidade?

E exatamente o que é a normalidade? É ter uma casa para morar, comida na mesa, impostos pagos, salário mensal de um trabalho fixo - ou não tão fixo? É viver em uma comunidade? É ter uma família? É ter um tempo de lazer?

Ser normal é não viver na miséria? Então há muito mais anormais por aí do que podemos imaginar.

Eu acho a miséria degradante... jamais estarei entre os mendigos. Não abraçarei a miséria de jeito nenhum. Não andarei esfarrapada... Já usei as melhores marcas mundiais Hermès, Louis Viton, Armani, Burberry.... não me sentirei bem com farrapos. Mas as marcas que usei não me trouxeram felicidade, nem paz, nem vida harmoniosa. São as melhores marcas mundiais, mas não me dizem nada.

 Serei andarilha, sim... mas com dignidade... com toda a dignidade que o viver na rua pode me trazer.

Sairei pelo mundo, abandonando quem eu era - e sabendo que no momento que eu quiser posso voltar. Mas não será qualquer pedra no caminho que me fará desistir da minha empreitada...

Vou construir uma nova vida... vou juntar tijolo por tijolo.... pela marginal.

Psicose? E quem nunca teve uma ideia meio psicótica? Quem nunca quis matar alguém? Mesmo que em pensamento? Atire a primeira pedra quem nunca quis rasgar dinheiro... quebrar os padrões estabelecidos?

Ah! e psicose é considerado uma certa perda de contato com a realidade. E meu contato com a realidade é quase palpável... não há sequer uma desorganizaçãozinha de pensamentos, não há inquietude, nem angústia, nem opressão... meu comportamento não tem nada de bizarro.




quinta-feira, 20 de junho de 2013

Até o sol estar mais ou menos alto, fiquei ali naquele banco... a fome apertou.

Toda manhã, mas toda manhã mesmo, tomo duas xícaras de café, um pãozinho torradinho com manteiga e uma fatia de bolo. É uma das minhas rotinas.

E aí onde eu estava não havia café, não havia bolo... só um pãozinho amanhecido e água.

A vontade de café era simplesmente imensa... não sou viciada, não... Sei de gente que bebe café atrás de café o dia todo. Não é assim comigo... são apenas as duas xícaras ao acordar e fim. Mas estava me sentindo uma viciada em clínica de reabilitação: louca pela droga.

Como resolver?

Fui em direção a um supermercado que fica no centro, não muito longe de onde eu estava... Normalmente, nesses supermercados grandes há um lugar em que eles oferecem um cafezinho - propaganda.... marketing... :)

Lá consegui um copinho, mais um copinho, mais um copinho... até a moça olhar com uma cara feia pra mim e dizer: 'agora chega'. Não foram bem as duas xícaras costumeiras, mas quase cheguei lá...

Café pra hoje... OK!

Daí comi meu pão, que mais parecia uma borracha.. e nada de bolo.

Lembrete (mais um): mudar meus hábitos matinais... menos café... substituir por chá, suco, água... pro corpo aceitar qualquer um deles na boa... não torrar mais o pão - vai emborrachado mesmo... e eliminar o bolo - não consegui pensar em nada que pudesse substituí-lo (principalmente porque a pessoa que faz o bendito bolo não me acompanhará pela minha saída em busca de liberdade).

Oh! e escovar os dentes.... eu sabia que tinha mais uma coisa me incomodando... Como irei resolvr isso?

A cada instante vou me dando conta  de que viver é muito, mas muito complicado mesmo.
Não acredito em nada....mesmo!

O que é a religião?

Acho que existe um 'religião' que vem da família, dos antepassados... uma 'religião' que está no sangue. Esse tipo de religião, acho que muita gente tem... mas também acho que há muita gente que não tem... são os arreligiosos (não sei se existe esta palavra - mas a noção existe, com certeza). Há pessoas sem religião nenhuma... chegaram a este mundo sem nada e sairão dele sem nada também.

E acho que há uma religião 'imposta' pelo mais forte.  Um ensino religioso confessional, ecumênico e interconfessional, com objetivos fortíssimos para evangelização, catequese e pastoral . Um tipo de ensino que não se preocupa em abrir a mente das pessoas para o fenômeno religioso de um ponto de vista antropológico, que não está preocupado em esclarecer sobre a existência da diversidade.

Eu cheguei ao mundo com uma religião... mas fui mais forte e acabei com ela, muito antes que se tornasse um ópio. E fui mais forte ainda do que o mais forte dos mais fortes valores religiosos... nunca me deixei contaminar por nenhum deles.

E sabe por quê?

Há momentos na vida, há certas situações que religião nenhuma dá jeito. Quer alguns exemplos: navios negreiros... onde estavam os deuses desses negros? holocausto... onde estavam os deuses dos sofredores - de todos os lados (não falo só dos judeus, não)? a fome... os estupros... os loucos... as doenças...  as guerras... se houvesse um único deus para a cura de todos os males, eu acho que ele apareceria vez ou outra... que deus não gostaria de marcar presença em uma catástrofe e colocar milagrosamente tudo no lugar?

Não há nada com o que contar.... é você com você e salve-se quem puder. Pouco saudáveis são os que contam com o nada... há maior loucura do que isto: acreditar que existe um 'nada' que milagrosamente resolve os problemas pra você??

Tenha a santa paciência....

quarta-feira, 19 de junho de 2013


Não acredito em nada... Acho que por isso sou considerada uma pessoa pouco saudável. Psicólogos, psiquiatras, estudiosos e estudados, sábios e nem tão sábios dizem que acreditar é uma coisa bem saudável, bem legal.

Além de saudável pra mente, saudável pro corpo...tá bom... pode ser.

Mas já vi muita gente que acredita ser milagroso, diz ter poderes sobrenaturais rezando ou orando a um ser superior, sobrenatural... fazendo sacrifícios, carregando uma enorme cruz em nome de uma coisa chamada fé...

Há realmente muuuuiiiita gente que acredita ter dons sobrenaturais e é capaz de fazer milagres simplesmente falando... pobres tolos - isso é que não é ser nada saudável, isso sim.

Pra mim... acreditar é a mais pura balela.

O que é ser realmente saudável?

Estava sentada em um lugar lindo - se você conhece a beira-mar de Florianópolis, sabe que estou falando a verdade.

Sem preocupação nenhuma, vivendo exatamente o momento presente: olhando o horizonte, vendo surgir minúsculos sinais de luz... um pouquinho mais...mais um pouquinho... até ficar tudo luz... até acabar qualquer tipo de escuridão.

Tá bom, meu corpo doía... estava começando sentir fome e necessidade de encontrar um banheiro. Gente civilizada usa banheiro... Eu agi como os gatos....

Fora esses pequenos detalhes, eu estava muito bem... sem uma gota de álcool pra me sentir viva... e feliz... diferentemente do grupo de homens que bebia, falava com voz extremamente alta e ouvia um som ensurdecedor... que não sei como podem chamar de 'música'.

Diferentemente dos cuidadores do corpo que começavam a passar (nada contra, cuido do meu também)... caminhando a passos largos, correndo, de patins, de bicicleta...

Claro, não tenho a capacidade de ler mentes, mas consegui observar que nenhum deles observava o espetáculo da natureza: olhos fixos num ponto lá na frente ou no chão.... completamente alienados da beleza do mar, do céu, dos pássaros... da natureza. Bem coisa da natureza humana: distantes do seu presente.

E alguém que fotografava... batia fotos como um louco... como uma louca, melhor dizendo... a girl!

Por que as pessoas tiram fotos? Que coisa mais estúpida guardar um momento. Ninguém consegue guardar nenhum momento... momentos não se guardam, momentos se vivem e depois de vividos desaparecem.... puft!

Hoje, quando raiou a manhã, pela primeira vez eu senti que tinha conquistado o direito de ser um ser humano. Eu havia conquistado o direito de estar no mundo... Isso é ser saudável!

Eu consegui... eu havia decidido viver outra vida e havia dado o primeiro passo. Claro que eu vou voltar - muitas vezes - pra outra que ainda habita em mim. Mas, tudo bem... tudo bem porque eu acredito que a melhor liberdade é aquela que você conquista devagarinho, consciente de cada pedacinho que está deixando pra trás.... e sem, completamente sem, nenhuma pré-ocupação aprisionando sua mente.

sábado, 15 de junho de 2013

Fugi das baratas... e me lembrei de uma coisa: quase todo morador de rua, quase todo andarilho dorme em bancos... sempre vi isso. Por que não me dei conta disso antes? Não teria passado pela situação humilhante, nojenta de ter baratas passeando pelo meu corpo...

Uma vez fui a Buenos Aires... algumas avenidas lá são larguíssimas e entre elas há uma calçada ladeada de grama... lembro-me muito bem de ter visto muitos mendigos dormindo no chão... Agora pensando aqui, enquanto escrevo, foi um dos poucos lugares em que não os vi dormindo em bancos. Eu, com minha memória prodigiosa, não ter me dado conta disso... aff!!

Deitei no banco - duro, muito duro. Fiz um 'travesseiro' com minha mochila e tentei dormir mais um pouco. Não consegui. Meus pensamentos passavam por minha cabeça à velocidade da luz... mais rápido até... acho. Gostaria de parar de pensar um pouco. Mas essa é uma história muito conhecida minha... se estou acordada, penso e penso como uma louca... Dormir é bom... é muito bom.

Alguns baderneiros chegaram em quatro ou cinco carros... com o som ligado a todo o volume. Espantaram pra bem longe meu sono. Sentei-me no banco e esperei. Esperei o dia amanhecer naquele barulho ensurdecedor.

Um dos baderneiros, de cabelo grisalho, me viu e me ofereceu uma garrafa de cerveja. Agradeci educadamente: não bebo álcool... e ele sorriu.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Definitivamente comprovei pra mim mesma que o ser humano é um animal que consegue enganar a si mesmo...

Acho que eram umas 3 ou 4 horas da manhã. Meu corpo doía, meus braços ardiam, eu sentia frio... muito frio. E nem é inverno.

Cama: Ah! como é boa uma cama depois de um dia de muito trabalho... ou mesmo sem trabalho nenhum. "Cama" é um móvel feito para o repouso; a palavra 'cama' já era usado lá atrás, bem lá atrás, no latim, e significa: leito estreito e baixo... possivelmente de origem na Península Ibérica  (lá na Europa - bem coisa de primeiro mundo).

'Leito' = uma cama melhorzinha; a palavra 'leito' era usada pelos romanos 'lectus', que também significava 'caixão', onde se dorme pra sempre... :(

Mas não era só uma cama que eu queria.... um colchão também fazia falta: um macio e confortável colchão, palavra que vem do francês antigo culche, “cama”, derivado de coucher = dormir... (li tudo isso na internet).

Por que o ser humano precisa de conforto pra dormir bem?

Fico aqui pensando no tempo das cavernas. Não havia cama e o povo lá dormia muito bem, acho. Mas essa coisa de evolução... quem decidiu que tínhamos de dormir em algo macio? Pra mim isso não tem nada a ver com evolução... pura involução.

Tenho de colocar isto na minha listinha preparatória para ser uma 'andarilha': dormir em locais duros!

Veja que mudei o nome: estou me preparando para ser 'moradora de rua'.... você sempre leu isso. Mas, depois de pensar muito, decidi que a palavra 'andarilha' é mais chique... então daqui pra frente a palavra que usarei é 'andarilha'...

Dormi, no duro da areia mesmo. Fui acordada sentindo que algo passeava pelo meu rosto... Eu estava dormindo num dos lugares onde o metro quadrado é dos mais caros da Ilha de Santa Catarina... rodeada de baratas.

Tudo bem, que sou capaz de me enganar... ou melhor, ainda bem que tenho essa capacidade. Se eu não fosse capaz de me enganar o que faria com o meu presente? Como olharia para o meu futuro?

E os meus braços ardiam... tststs.... o sol... o sol se encarregou de cumprir sua missão: queimar.

Filtro solar.... deveria ser distribuído gratuitamente, como são os preservativos.
Os dramas humanos... isso é coisa universal.... e nada contingente.

Até hoje não conheci nenhuma pessoa que não tivesse atravessado tempestades em sua vida. Não conheci ninguém que não tivesse sido quebrado em mil pedaços nos terremotos que assolam a vida de cada um... mil vezes mil.

Às vezes, nem é uma tempestade muito forte.... é até fraquinha, mas nos encharca de tal maneira que levamos milhares de horas pra ficar sequinhos, sequinhos... tirar a roupa do varal e começar tudo de novo.

Às vezes é um terremotozinho de nada... mas dos abalos anteriores estamos ainda tontos, tentando nos equilibrar e nos refazer... e lá vai tudo por terra outra vez.... e nós, desesperados, à custa de muito sacrifício, vamos encaixando cada pedacinho no devido lugar. Só que, depois de tantas quedas, os pedacinhos estão tão tortinhos que não se encaixam com naturalidade, temos de forçar para que voltem e ocupem seus lugares.... e, enfim....

o que quero mesmo dizer é que depois de tantas quedas não conseguimos mais ver na vida um show... vemos somente tragédia.

E eu cansei dos dramas.... e, por isso, hoje saí de casa, abandonei a velha vida - com todos os seus dissabores, falta de cores... dores.

Hoje estou aqui recomeçando... e me dou conta de que eu mais queria mesmo era ter nascido tartaruga.... com a casa nas próprias costas e a mente destituída de complicações.

Ser gente é doído pra lá da conta. Só quem é 'doido da cabeça ou doente do pé' gosta de ser o ser que é.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Como é lindo aqui. Como é lindo o mar.

Tenho uma parte da tarde ainda para admirar a beleza do lugar. E é o que vou fazer.... sentar e admirar.

A maioria das coisas acontecem mesmo é na cabeça da gente. Larguei tudo pra trás - por dois dias é claro - e me sinto a pessoa mais leve do mundo.

O que mudou de ontem pra hoje? Visivelmente nada... saí de casa de manhã, fiquei sentada olhando o mar... e caminhei à beira mar. E só.

Minha cabeça está tão leve. É como se tivesse só o hoje. Não existiu o ontem e não haverá o amanhã.

Pensando bem, acho que faríamos muito bem se vivêssemos assim: o hoje - que é o que temos.

Sento, olho o mar, bebo dois golinhos de água e como uma maçã. A vida poderia se resumir a isso. Por que a complicamos tanto?

Comecei a pensar no que estaria fazendo se não tivesse decidido me aventurar e sair de casa: faxinando, lendo, escrevendo, assistindo à TV, trabalhando e trabalhando... fazendo mil coisas, menos vivendo.

Acho que cochilei... o sol está se pondo, o céu está pintado dos mais variados tons que vão de rosa clarinho a um vermelho fogo.

Começa a anoitecer. Ainda há muitas pessoas caminhando, correndo. O movimento de carros é intenso. Muito barulho.

Escureceu completamente... o movimento de pessoas devagarinho vai diminuindo... menos carros, menos carros... até quase apenas quatro ou cinco.

É madrugada, faz frio, não consigo dormir... o corpo todo dói. Definitivamente sinto falta de meu quarto.

Interessante... nunca tinha dado a ele o valor que merece... Parece que está certo quem disse que a gente só dá o verdadeiro valor às coisas quando as perde... Não que eu tenha perdido... sei exatamente onde meu quarto está e é pra lá que vou voltar....

Mas só amanhã.